Na imprensa, tem-se falado muito da crise política e econômica que assola o país. Embora ela seja um fato, há uma segunda crise que acaba se confundindo com a primeira e é muito menos noticiada: e esta é a crise do varejo tradicional. O seu impacto na economia é, se não tão grande quanto a primeira, de igual relevância e importantíssima de ser debatida. A crise econômica irá passar, mas a crise do varejo não propriamente.
Entretanto,nem tudo é crise, há também um segmento que cresce a taxas incríveis de pelo menos 25% anuais nos últimos anos. Trata-se do comércio eletrônico, que mesmo em um ano difícil como o de 2016 não dá o menor sinal de que irá parar de crescer. Aliás, muito pelo contrário: o e-commerce brasileiro ainda está engatinhando e está muito longe de alcançar todo o seu potencial.
A crise do varejo muito além da redução de crédito
As três grandes redes varejistas — Via Varejo, Magazine Luiza e Máquina de Vendas — vêm amargando prejuízos, fechando lojas em todo o País e em 2015 venderam R$6 bi a menos que no ano anterior. A Via Varejo, dona das Casas Bahia e Ponto Frio, fechou 31 lojas e demitiu 11 mil funcionários no último ano. Hoje, valor da Magazine Luiza reduziu-se a 10% de quando abriu o capital em 2011. A Máquina de Vendas, detentora das marcas Ricardo Eletro e Insinuante, amarga prejuízos e trocou de presidente seis vezes nos últimos dois anos. Estes e outros números estão em um interessante e completo artigo de Maria Luiza Figueiras, na Exame, que aponta a redução do crédito como uma das principais justificativas das varejistas.
Entretanto, seria muito redutor justificar essa crise apenas pela redução de crédito. Há um segundo fator, talvez muito mais importante que o primeiro. Trata-se da mudança do consumidor, que está cansado dos pontos de venda tradicionais como eles são. Um bom argumento para sustentar isso é que fora do Brasil os varejistas também vêm sofrendo bastante. Nos EUA, os shopping centers populares estão perdendo espaço e fechando aos montes, porque eles já não atraem a atenção do consumidor como sendo apenas um “centro de compras”.
A experiência do usuário é o xis da questão
Shopping centers e as grandes redes varejistas, com seus pontos de venda, cresceram com o boom do consumo no século 20. Tivemos no século passado uma oferta de produtos e de preços como nunca antes pôde ser visto na história da humanidade, e isso trazia o consumidor para os centros de compras. As promoções, podemos assim dizer, era a grande experiência do consumidor no século passado.
Mas esse modelo está falido, porque o consumidor já não quer a experiência de comprar por comprar, de simplesmente encontrar a melhor promoção – e quando busca isso, há meios mais cômodos, como as lojas virtuais. Uma prova disso é que nos EUA, enquanto os shopping centers populares fecham, os mais refinados crescem porque proporcionam uma experiência distinta. Podemos entender a questão da experiência, de uma maneira mais precisa, olhando para a Starbucks. A maior rede de cafés do mundo não vende cafés: vende o ambiente, vende a experiência de ser “a segunda casa” de seu cliente.
Não é a toa que no Brasil vemos uma “gourmetização” de tudo: é que a gourmetização cria uma nova experiência, seja nos pratos excêntricos que buscam a harmonização de ingredientes díspares, seja na gourmetização metafórica dos ambientes: o cliente não está ali pelo produto, mas pelo conjunto de experiências sensoriais e emocionais que ele sente. As grandes redes varejistas, por sua vez, estão anos luz de proporcionar o mínimo disso porque são, no fundo, grandes galpões cheios de produtos em promoção. E isso é pouco.
E já que estamos falando na experiência do usuário como chave para compreensão disso tudo, precisamos falar sobre a Internet que produz as grandes revoluções do Século 21. Tanto nos EUA quanto no Brasil, os sites de comércio eletrônico são conhecidos pelos inevitáveis melhores preços quando comparados às lojas físicas. O e-commerce supre, portanto, a necessidade inerente de uma boa relação custo x benefício, além de acrescentar praticidade.
O e-commerce não para de crescer, mas ainda engatinha
Mas o modelo do e-commerce no Brasil ainda está engatinhando, embora deva movimentar cerca de R$67 bilhões em 2016. Embora consiga atrair os consumidores pelo preço e pela praticidade, ainda dará o seu grande passo no que se refere à experiência e isso poderá levar alguns anos. O grande problema é que as lojas virtuais ainda se comportam como tendo uma relação fria com o consumidor, distante.
As redes sociais institucionalizaram as conversas do modo mais descentralizado e rápido que já se viu em toda a humanidade. Quem trabalha com vendas sabe que uma venda é, no fundo, uma boa conversa — mas boa mesmo e não apenas “papo de vendedor”, que é o que mais vemos por aí. Os consumidores estão conversando 24 horas com seus amigos, muitos deles que nem se conhecem pessoalmente, mas as marcas, à exceção de algumas raras como Netlfix ou Uber, não.
O e-commerce não irá parar de crescer nos próximos dez anos, e o varejo tradicional talvez não pare de cair no mesmo período. E a solução de crescimento contínuo, para ambas, é proporcionar a melhor experiência para seus clientes. As marcas que melhor se adaptarem a essa nova realidade do mercado sairão as grandes vencedoras.
